‘Hogwarts’ da música eletrônica reúne artistas internacionais
Techno, hip-hop, future- soul. Música de pista ou experimental? A 17a edição do Red Bull Music Academy quer mesmo é confundir. O evento, dividido em duas fases, reúne 61 artistas do mundo todo no conservatório La Gaîté Lyrique, em Paris, até o dia 27 de novembro, para colaborar entre si.
O 120BPM acompanhou dois dias na rotina dos alunos. Eis alguns momentos marcantes.
LUISA PUTERMAN
“É um lance meio Harry Potter, meio Hogwarts”, disse a brasileira Luisa Puterman sobre a experiência de participar da Academia. Fã de Brian Eno e John Cage, o som da paulistana une música eletrônica com arranjos folk. Ela preencheu um formulário on-line e foi um dos quatro brasileiros selecionados. “Eles são bastante criteriosos.” Foram 4.500 inscritos.
Fizemos três perguntas para Luisa:
No período da Academia, você descobriu que poderia fazer algo fora da sua zona de conforto musical?
Eu sou uma pessoa bem eclética e nunca tive nenhum tipo de limite estético. Meu lance sempre foi estar junto e tocar. Mas quando fui estudar história da arte acabei indo para um caminho mais conceitual… John Cage e tal. E comecei a ficar muito exigente e distante, o que na verdade é uma bobagem porque mesmo a música pop também é muito poderosa. Percebi que quando tem alguém fazendo algo verdadeiro no palco, mesmo que não seja a música que você goste, as pessoas vão se sensibilizar. Acho que a Academia me fez voltar para a raiz.
Qual a grande diferença que você notou da cena brasileira com as outras?
Tem uma diferença muito grande de quem é europeu e de quem não é. Porque na Europa tem um circuito. Os países são muito próximos e a cena é mais estruturada, tem mais oportunidades. Isto é bem claro.
Teve algo que te surpreendeu nestes dias?
Um dos momentos mais incríveis que eu tive aqui foi com o Sebastiano Zanasi, da Afríca do Sul. Eram 5 da manhã e eu estava tocando “viajandona” no estúdio e ele chegou meio cabisbaixo… “Posso ouvir?”. Ele sentou no sintetizador e disse: “Ah, estou meio triste porque meu cachorro acabou de morrer”. E aí a gente fez uma puta jam!
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O SHOW DO FLOATING POINTS
O imponente sintetizador ARP Odyssey no palco entregava que, em seu primeiro show ao vivo, o produtor canadense Floating Points não negaria a origem nerd de colecionador de discos clássicos da música eletrônica.
Também conhecido como Dr. Sam Shepherd (Points é neurocirurgião nas horas vagas), ele escolheu a tradicional casa de jazz New Morning para apresentar as canções de “Elaenia”, seu elogiado disco de estreia. Quem testemunhou saiu de boca aberta.
Formado em música clássica, o produtor criou uma sinfonia cósmica condensando referências que passavam pelo krautrock, jazz e house. O ápice da mistura surgiu quando o saxofonista da banda manteve o fôlego e mandou um solo inspiradíssimo. O público vibrou e as violinistas eram só sorrisos.
A impressão é que o produtor, mesmo amparado por belas texturas e beats, descobriu que a forma mais eficiente de hipnotizar mentes alheias é abraçar o caos de uma banda ao vivo.
DESAMPA NO ESTÚDIO
Em uma das noites, o paulistano DESAMPA propagou seu ‘future-soul’ para os colegas da Academia e impressionou o colega John Pope, beatmaker das Filipinas.
Logo após o show, Pope convidou o brasileiro mascarado para cantar em cima de uma batida que ele estava produzindo. DESAMPA abriu seu caderninho de letras e começou a improvisar alguns versos.
Enquanto Pope testava algumas notas de baixo no teclado, eis que surge o colega canadense Jade Statues sugerindo algumas alterações nos timbres da faixa. Ele dá uma série de coordenadas técnicas, prontamente atendidas, e deixa a música, em puro francês maroto, “déchine” (f***).
MESTRE JEDI E OS PADAWANS
“Não importa se você toca dois acordes de forma desleixada. O segredo é como você se sente tocando estes acordes”. O discurso Jedi é do produtor americano Craig Leon, mente por trás de hits do Blondie e do Ramones. Apesar do background punk e new-wave, Phil concebeu em 1981 “Nommos”, disco cultuado entre os aficionados pela música eletrônica fora da caixa. Quando ele convidou os alunos da Academia para uma jam improvisada, o resultado foi um aceno ao passado. A artista japonesa Sapphire Slows arriscou uns sussuros e cânticos que foram combinados com os efeitos de delay de uma guitarra.
MULHERES-MÁQUINA
Paris tem um longo histórico boêmio e de troca cultural, mas no texto de apresentação da Academia os fundadores revelam que querem “reescrever os clichês parisienses”. Nas paredes do La Gaité Lyrique estavam imagens e ilustrações de artistas convidados para captar este novo espírito da Cidade Luz.
Destaque para a série criada pela francesa Caroline Andrieu que presta homenagem a Suzanne Ciani, Pauline Oliveros, Éliane Radigue e Delia Derbyshire, mulheres pioneiras na criação da música eletrônica.
Já o designer francês Philippe Lebruman mergulhou no interior da França para registrar fachadas de clubes que estavam abandonados ou em ruínas. As imagens revelam um passado incrível tanto em termos de arquitetura quanto de design gráfico.
MÚSICA DE BRINQUEDO
Inspirada na cena icônica do filme “Quero ser Grande” (clássica comédia dos anos 1980 com Tom Hanks), a instalação interativa “Playground” permitia que os visitantes orquestrassem um conjunto de bateria por meio de movimentos corporais. A brincadeira era simples: bastava pular nos 32 tambores iluminados que ocupavam o chão. Quantos mais pessoas se envolviam, mais complexas ficavam as batidas.
A obra faz parte da exposição Paris Musique Club que ocupa a entrada do La Gaité Lyrique e ficará em cartaz até janeiro de 2016, junto com outras obras interativas.
O LITURGY ABRINDO PARA COLIN STESON E SARAH NEULFELD
Na terça-feira (3), BPMs não foram problema para o Liturgy. A banda de black-metal do Brooklyn tocou em campo familiar: o porão do La Maroquinerie, inferninho nos arredores de Paris, e o baterista parecia tocar em bilhões de batidas por minuto. Os vocais ogros personificavam o “black metal transcendental”, termo que o vocalista Hunter Hunt-Hendrix usa para explicar o som da banda.
“Nunca pensamos que fôssemos tocar depois deles”, confessou Colin Stetson quando subiu ao palco, minutos depois. O projeto musical do saxofonista americano com a violonista canadense Sarah Neulfeld era o oposto da orgia sonora anterior, mas nem por isso mais convencional.
Colin usou um “sax alienígena”, acoplado a seis microfones, que, aliado a distorções na mesa de som, gerou ruídos à la Trent Reznor. Confundindo mais a cabeça, Sarah entoou vocais bem ao estilo da cantora Enya. Noite bizarra.
O TELHADO DO LE GAITÉ LYRIQUE
AS LOJAS DE DISCOS EM PARIS
Paris é linda e os parisienses sabem disso, afinal, nos restaurantes os assentos estão sempre virados para a rua. Mas alguns croissants depois, a primeira coisa que o blog fez foi perguntar para um morador local onde ficavam as lojas de discos mais legais da cidade. Eis o que descobrimos:
Para quem é obcecado por música eletrônica, vale conferir a La Source. O catálogo vai desde Actress a Jean Michel Jarre. Na seção “french touch”, achei o debut do Les Rhythm Digitales. (:
Outra dica é a Crocodisc, que, além do acervo gigantesco e nome divertido, conta com atendentes agradáveis!