A cultura independente no Brasil é algo romântico, diz Akin Deckard
Em 2009, Akin Deckard resolveu experimentar. Inspirado por trilhas sonoras de filmes de ficção científica, o DJ paulistano criou a rádio on-line Metanol no estúdio montado no seu apartamento em São Paulo. “O canal foi criado justamente para gerar conversa em torno de sonoridades que eu gostava, mas que até então não eram de fácil acesso como são hoje”, disse ao 120BPM.
Um ano e meio depois, a rádio ganhou ouvintes fiéis e Akin reuniu alguns deles para criar o Coletivo Metanol. A parceria com os produtores musicais MJP, Soul One, Vekr e o videomaker U-RSO resultou numa mistura de graves pesados com batidas secas que lembra o hip-hop, bate no chillwave, mas tem um sabor único.
Não demorou para que o coletivo levasse a sonoridade para as ruas. A festa Metanol na Rua começou na Rua da Consolação para depois se espalhar por toda a cidade. Em setembro, a trupe participou da segunda edição do SP na Rua, evento que fez parte do Mês da Cultura Independente e que reuniu, segundo os organizadores, um público aproximado de 15 mil pessoas.
O número é tímido comparado com as 130 mil pessoas que compareceram ao megafestival Tomorrowland em maio deste ano. Akin, porém, acha a disputa da turma underground com a turma da EDM um papo anacrônico. “A Metanol esteve presente na edição brasileira do Tomorrowland e não nos sentimos deslocados no meio das atrações do festival. Acho válido universos musicais díspares dialogarem.”
Para equilibrar as contas e financiar as festas de rua, o coletivo realiza eventos fechados com entrada paga. “Muita gente pensa que festa na rua é de graça, que não gasta dinheiro algum, mas se gasta sim, e muito. Tem o som, a logística, o gerador, o banheiro químico…” diz Akin. A festa Metanol e Convidados é um destes eventos e acontecerá nesta sexta (2) na Trackers. O DJ e produtor chileno IMAABS comandará a pista.
Confira o bate-papo do blog com Akin.
Quais as dificuldades em manter um coletivo independente no Brasil?
A maior dificuldade está em colocar em prática novas ideias com zero recurso financeiro. Muito da nossa criatividade provém da falta de recursos suficientes, mas gostamos do caminho mais difícil, o de ações de longa duração e de resultado em longo prazo, e isso exige investimento em larga escala. A cultura independente no Brasil é algo quase romântico, em que um dos únicos caminhos possíveis é o de autossuficiência. No cenário independente os artistas são ao mesmo tempo público, mas para se manter ativo em algum campo de atuação, é preciso muito mais do que ideias.
A Metanol na Rua participou do último SP na Rua, que reuniu todos os coletivos independentes da cidade. É difícil organizar um evento como este?
Nas festas de rua as dificuldades são maiores, porque os núcleos, artistas e coletivos atuantes nos espaços públicos precisam bancar a ideia como um todo, correr os riscos sozinhos e pôr a mão no bolso mesmo. Muita gente pensa que festa na rua é de graça, que não gasta dinheiro algum, mas se gasta sim, e muito. Tem o som, a logística, o gerador, o banheiro químico… Estar em atividade na rua custa caro, a dificuldade em ser independente é financeira mesmo.
A festa já teve diversas edições no Centro. É mais complicado levá-la para os bairros na periferia?
Não é mais difícil ou mais fácil. Cada região da cidade tem seu fluxo e pessoas, seus interesses locais, suas peculiaridades. A escolha por fazer eventos no centro com mais frequência é porque ali é um local de acesso fácil, com linhas de ônibus e metrô saindo de todos os bairros até lá. Temos um público cativo, mas é sempre bom ver pessoas novas de todos os tipos transitando pelos eventos, inclusive os moradores de rua. O centro é uma grande representação do que São Paulo é, e valorizamos muito a ideia de um ambiente de encontro de diferentes pessoas que não costumam dividir espaços com frequência. Nossos eventos buscam derrubar as barreiras invisíveis que separam as diversas camadas sociais da cidade.
“A rua é atraente em muitos aspectos, principalmente por trazer certa liberdade de expressão para o público e os artistas”
Nos anos 90/2000 a música underground era encontrada em clubes com o Hells e o Massivo. Hoje, são as festas de rua que trazem as novidades. Por que você acha que ocorreu essa inversão?
Considero a existência de clubes algo muito importante ainda, tanto para os artistas quanto para o cenário como um todo. Não acho que não exista espaço para a sonoridade underground dentro dos clubes, mas geralmente este é um ambiente mais previsível, onde muitas vezes o estilo do lugar e do público que o frequenta acaba ditando aquilo que você vai ouvir na pista. Na rua é diferente. Ela é atraente em muitos aspectos, principalmente por trazer certa liberdade de expressão para o público e os artistas. Aquilo que vem do underground transita mais livremente em ambientes sem amarras ou previsibilidade. É onde as pessoas esperam novas ideias.
Em Las Vegas, o megafestival EDC tentou conciliar DJs superstars com a cena mais independente. Você acha que este pode ser um sinal de que a barreira do pop com o underground foi quebrada?
Acho que este é o caminho natural da música nos dias de hoje. Mainstream e underground são termos subjetivos, cada vez faz menos sentido existirem separações no universo da eletrônica. A Metanol esteve presente na edição brasileira do Tomorrowland e não nos sentimos deslocados no meio das atrações do festival. Acho válido universos musicais díspares dialogarem o tempo todo.
“Quando você percebe que um gênero musical cresceu e estacionou em uma fórmula, fica mais fácil entender quais caminhos já foram traçados e quais novos devem ser definidos”
A popularização da música eletrônica por meio da EDM (electronic dance music) estacionou a criatividade no gênero?
De maneira alguma. Acho que, de certa forma, existe mais mercado de atuação hoje em dia, seja para a EDM ou para estilos opostos a ela. Quando algo atinge seu limite criativo, coisas novas surgem como resposta. Quando você percebe que um gênero musical alcançou tal dimensão e estacionou em uma fórmula, fica mais fácil entender quais caminhos já foram traçados e quais novos devem ser definidos. Existe um ciclo infindável de estagnação e renovação na música eletrônica, e é isso que a faz permanecer relevante e ativa.
O techno nasceu em Detroit. A house music em Chicago. Você acha que São Paulo desenvolveu uma sonoridade própria?
São Paulo é uma cidade muito intensa, competitiva e de trabalho contínuo. Uma grande esponja que absorve tudo aquilo que o mundo tem e transforma em algo que é dela. É engraçado pensar nisso, porque no geral o paulistano tem menos identidade de cidade do que os cidadãos de outros lugares do Brasil. De certa forma, a nossa identidade musical se baseia nisso, na pluralidade de conceitos. Essa coisa caótica que é a cidade reflete em muito a sonoridade que nos representa. Uma coisa híbrida e de muitas caras e formas, que dialoga com universos distintos. A sonoridade de São Paulo é inclassificável.